Em diversas cidades do Brasil, diariamente, milhares de crianças, quando
saem da escola pública, depois do fim do turno respectivo, são recebidas em
organizações da sociedade civil onde passam o período seguinte do dia. Lá
praticam esportes, desenvolvem atividades artísticas, aprendem a usar
computadores e tem reforçado o conteúdo ensinado na escola. Como são muito
poucas as escolas públicas em tempo integral, essas entidades desempenham um
papel fundamental no atendimento dessa população das áreas de maior
vulnerabilidade social e risco.
Também, em diversas cidades do Brasil, milhares são vítimas de
crimes graves, testemunhados, muitas vezes, por outras tantas pessoas. Até o
início da década de 1990, não se dispensava nenhuma atenção para a testemunha
do crime que, se prestasse depoimento, poderia correr risco de vida. Essa
situação só se alterou, a partir dessa época, em função do papel desempenhado pelas
organizações da sociedade civil. São elas dão todo o suporte para que a
testemunha, que entra no programa de proteção, possa prestar o depoimento,
criando condições para sua inserção em um novo universo de vida.
São inúmeros os exemplos da importância da atuação das organizações da
sociedade civil. Seja na provisão de serviços públicos, na luta por direitos ou
apenas na congregação de pessoas em torno de atividades de interesse comum, a
atuação dessas organizações tem se mostrado fundamental para o desenvolvimento
social do Brasil. Mas para que desempenhem suas atividades, elas dependem de um
arcabouço regulatório que favoreça sua criação e atuação. No Brasil, esse
arcabouço tem problemas das mais diversas ordens. As regras que disciplinam as
obrigações tributárias das organizações da sociedade civil são especialmente
caóticas e a não razoabilidade das exigências a que elas estão submetidas chama
particular atenção.
Essas dificuldades são basicamente de duas ordens. Dizem respeito ao
montante dos tributos a serem pagos e ao cumprimento dos custos de conformidade
à tributação.
Burocracia excessiva para pagamento
de tributos não é algo exclusivo do regime fiscal das organizações da sociedade
civil. Na edição de 2014 da publicação Doing Business, do
Banco Mundial, no indicador ‘pagar tributos’ o Brasil foi classificado na 159º
posição entre as 189 economias analisadas (atrás de Paraguai, Paquistão e
Guiana, por exemplo). Isso porque o tempo necessário para pagar tributos é de
2600 horas por ano.
Apesar desse quadro geral bastante negativo, houve alterações recentes
na tributação de alguns setores, como o das micro e pequenas empresas. Foram
instituídos, nos últimos anos, vários programas para desonerá-las e simplificar
sua tributação: o Simples Federal, o Simples Nacional e a lei que altera o
Simples Nacional criando a figura do Microempreendedor Individual. As leis que
os criaram previram redução da carga fiscal e diminuição significativa dos
custos de conformidade à tributação, simplificando o processo de pagamento dos
tributos e o cumprimento de obrigações acessórias.
As organizações da sociedade civil não puderam, no entanto, aproveitar
essas vantagens. Muitas vezes, essas organizações prestam serviços ou vendem
pequenas mercadorias, mas elas não podem fazer a opção pelos regimes
tributários favorecidos criados para as micro e pequenas empresas. Diante
disso, em algumas situações elas têm que pagar mais tributo que essas empresas,
ainda que não tenham finalidade de lucro e atuem em prol do interesse público.
Assim, se nos outros países do mundo existe uma preocupação de se evitar
que a condição de isenta dê para as entidades sem fins lucrativos vantagem
competitiva na concorrência contra as empresas com fins lucrativos, no Brasil
pode ocorrer a situação oposta. Pode acontecer que a microempresa, por ter
aderido a um dos regimes tributários diferenciados, venha a pagar menos tributo
que uma organização da sociedade civil pelos mesmos serviços prestados.
Mas, além da desoneração, os regimes tributários diferenciados reduziram
muito os custos de conformidade à tributação. No que diz respeito às
organizações da sociedade civil, o principal desses custos são as
certificações.
Além de não distribuir lucro, para o gozo da imunidade ou isenção aos
diversos tributos, as entidades precisam obter certificações nas esferas
federal, estadual e municipal. São vários títulos, com repetição das mesmas
exigências burocráticas e sua obtenção e renovação dependem de processo que
costuma demorar vários anos. Por outro lado, em alguns casos, outros títulos
(inclusive de outras esferas) são condição para a obtenção da imunidade ou
isenção. Para usufruir da imunidade ao IPVA ou ao ITCMD exige-se, com
frequência, o CEBAS e certificados de utilidade pública. Por tudo isso, há
grande dificuldade para que as entidades atendam às exigências que permitem o
gozo da imunidade ou isenção.
Há duas semanas foi publicado, em formato
eletrônico, o livro que resultou da pesquisa que fizemos no Centro de Pesquisa
Jurídica Aplicada da FGV Direito SP propondo parâmetros para a simplificação
das obrigações tributárias das organizações da sociedade civil. Quanto mais
pensada, criticada e debatida for qualquer proposta de alteração da legislação,
maior a chance de êxito da mudança.
Se os programas que criaram regimes fiscais diferenciados para as micro
e pequenas empresas foram bem sucedidos em simplificar sua tributação, ainda
mais justa e necessária é a simplificação da tributação daquelas organizações
que atuam exclusivamente em prol do interesse público.
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