Mercado de ONGs agora exige formação e engajamento
A noção de que para abrir ou trabalhar em uma
Organização Não Governamental (ONG) basta ter um bom coração e vontade de
ajudar está completamente ultrapassada. A necessidade de um trabalhador
engajado em causas sociais permanece, mas foi acrescida a exigência de que o
trabalhador do terceiro setor possua as mesmas qualificações e histórico de
resultados cobrados por empresas privadas. A mudança cada vez maior no caminho
da profissionalização da gestão das ONGs se deve aos grandes investimentos que
instituições como BNDES e Unicef passaram a fazer nessa área.
“Já não cabem mais amadorismos. Por quase 50 anos
as ONGs funcionaram com trabalho voluntário e hoje muitas delas pagam um preço
alto por isso, com problemas de gestão e, principalmente, financeiros”, explica
Luiz Gonzaga Bertelli, presidente do conselho de administração do Centro
Empresa-Escola (CIEE). Atualmente, as exigências para trabalhar no terceiro
setor são basicamente as mesmas das empresas privadas”.
Bertelli ressalta que os
investidores passaram a exigir mais transparência das ONGs, para saber o que de
fato elas fazem com o dinheiro e para que a sociedade reconheça as suas ações.
E isso intensificou a necessidade de pessoas qualificadas. Hoje, as ONGs que
mostram seus resultados regularmente conseguem mais créditos e benefícios como
imunidade tributária.
Outro fator que também influenciou no quadro
foi a instituição do Marco Regulatório do Terceiro Setor em 2014 (Lei.
13.019/14) , que dentre outras mudanças regulamentou duas novas formas de
concessão de recurso financeiro para ONGs: o Termo de Colaboração, no qual a
organização que cedeu o apoio determina em quais atividades o dinheiro deve ser
aplicado, e o Termo de Fomento, quando a próprio ONG apoiada decide como
utilizar o recurso. Em ambos os casos, percebeu-se a necessidade de
profissionais treinados, tanto para realizar as ações com o capricho que os
apoiadores esperam, quanto para usar o apoio da forma mais proveitosa
possível.
Novas
exigências
Especialista em
responsabilidade social, Liliane Rocha conta que, além da formação acadêmica na
área específica em que a pessoa vai atuar, um estudo da Universidade de
Cambridge (Inglaterra), traçou outras quatro características que o profissional
do terceiro setor precisa ter: orientação para geração de resultados,
conhecimento da realidade social para obter parâmetros de mudança, orientação
de princípios éticos, e ser um agente inclusivo.
“As empresas de outros setores competem pelos
profissionais com as instituições de terceiro setor. O profissional precisa ter
engajamento social, que é o conhecimento da causa na qual a ONG concentra suas
ações, e também a especialização. Hoje já existem vários níveis de graduação
voltados para isso, como pós e MBA em políticas públicas, serviço social, etc.”,
observa.
Érica Marise, 36, trabalha como professora de
oficina de crochê na ART’CAN, uma ONG focada em promover acesso à arte
nas comunidades carentes do município de Candeias (BA). Ela diz que, para
conseguir a vaga, precisou fazer um curso de tapeçaria no Instituto de
Artesanato Visconde de Mauá, em Salvador.
“Eu faço esse trabalho artesanal desde os 17
anos, mas para aprimorar e passar o conhecimento da melhor forma eu fiz alguns
cursos. Considero isso muito importante. Ajudar a sociedade exige preparação,
não podemos achar que qualquer coisa está bom”, comenta.
Estela Martins, consultora de RH que já
trabalhou em três organizações não governamentais baianas, explica que o perfil
do profissional de terceiro setor procurado atualmente mescla engajamento
social e profissionalismo.
“Apesar do processo de profissionalização, a
ONG jamais pode se afastar do propósito para a qual ela foi criada. O
profissional formado e preparado é sim do interesse das instituições de
terceiro setor, mas se ele não tiver uma veia militante engajada, continuará
sendo apenas mais um profissional que poderia trabalhar em qualquer outro
lugar”, afirma.
O contador Mário Rocha diz que seu perfil
ativista foi fundamental na hora de conseguir um emprego na Guetto, ONG voltada
para a educação artística de negros que vivem em periferias.
“Eu sempre participei de
coletivos e grupos de debates na universidade. Acredito que isso me tornou mais
atrativo para a instituição”, contou.
Para
fazer a diferença ao trabalhar em uma ONG
Ativismo: Ter
participação em coletivos, projetos políticos ou iniciativas individuais relacionados à causa da ONG
demonstra engajamento e vivência no assunto
Histórico: Quem
tem experiência em projetos sociais ou já atuou em outras organizações de
gênero, ainda que na condição de voluntário, tem vantagem na hora da
contratação.
Valores: Assim
como as empresas privadas, as ONGs buscam pessoas que se adequem a sua cultura
organizacional, com posicionamentos políticos e opiniões
semelhantes.
Disponibilidade: O trabalhador
deve ter disponibilidade e flexibilidade, pois a atuação do terceiro
setor, muitas vezes, requer ações imediatas por conta de acontecimentos
sociais, sobretudo nas organizações ambientais e nas que atuam em comunidades
carentes.
Prática: O terceiro
setor exige que os contratados tenham cada vez mais soluções práticas, não
só para o problema social, mas também para as questões administrativas da
própria organização.
Criatividade: ONGs
necessitam cada vez mais de ideias inovadoras que potencializem o resultado das
ações e que sejam altamente inclusivas.
Especialização: Pós-graduação
e outros cursos de especialização na área de atuação da ONG, ou em assuntos
voltados para minorias sociais e gestão pública, também fazem a
diferença.
Tecnologia: As
ONGs estão em busca de funcionários que entendam de redes sociais,
plataformas mobile e aplicativos para melhorar a divulgação dos resultados.
Didática: Pessoas
com boa comunicação e didática também são muito procuradas, pois conseguem
preparar bem equipes e repassar orientações e conhecimentos.
Ética:
Conhecer os fundamentos éticos que regem o terceiro setor e aplicá-los no
trabalho cotidiano é essencial para conseguir se manter dentro da área.